Trabalho escravo desde o início da colonização

Entre 1550 e 1850, cerca de 4,8 milhões de africanas e africanos negros foram sequestrados em sua terra natal para trabalharem como escravos nas fazendas e cidades da América portuguesa, hoje Brasil.

Essas pessoas escravizadas – originárias de diferentes povos africanos, com idiomas, religiões e costumes diversos – passaram a compor a maior parte da população colonial e desenvolveram estratégias de sobrevivência e de resistência à violência de sua condição na América.

 

Imagem: Photo credit: midianinja on VisualHunt. #PraCegoVer – Fotografia, imagem em preto e branco mostra manifestantes semi ajoelhados, com punhos cerrados erguidos no ar em ato sobre Vidas Negras Importam na cidade de Belo Horizonte, MG. Fim da descrição.

Resistência negra

Uma das formas de resistência mais bem sucedidas foi a criação de quilombos (do idioma quimbundo kilombo, união ou aldeia). Os quilombos eram comunidades de negros que fugiam da escravidão, instaladas em regiões desertas, de difícil acesso para os colonizadores.

Outra forma de resistência dos africanos e afro-descendentes no Brasil colonial eram as irmandades religiosas (católicas). Havia irmandades de negros e pardos livres e escravizados, em geral dedicadas a Nossa Senhora do Rosário (“dos Homens Pretos”), a São Benedito e a Santa Ifigênia. As irmandades negras funcionavam como associações de ajuda mútia, algumas reuniam fundos para comprar a alforria de pessoas escravizadas.

Porém, no período colonial não houve movimentos sociais que questionassem o princípio da escravidão e procurassem aboli-la radicalmente.

A luta abolicionista

Apenas no final do século XVIII surgiram, na Europa, movimentos que condenavam a escravidão e pregavam sua completa extinção. No Brasil, esse movimento chegou somente em meados do século XIX, por iniciativa de setores da elite branca.

Nessa fase, a luta antiescravidão no Brasil teve algumas etapas, como a aprovação de duas leis bastante conhecidas: a lei do Ventre Livre (Lei n.º 2.040 de 28.09.1871), que determinava liberdade a todos os filhos de mulheres escravizadas nascidos a partir de 1871 – daí a menção ao “ventre livre” –, e a lei dos Sexagenários (Lei n.º 3.270 de 28.09.1885), que concedia liberdade a todos os negros escravizados com idade superior a 60 anos (ou sexagésimo ano) – uma lei pouco efetiva, dada a raridade de alguém chegar a essa idade, uma vez que a expectativa de vida era em torno de 27 anos na época. Na prática, essas leis empurravam para um futuro distante o fim do trabalho escravo no país.

A partir de 1878, o abolicionismo brasileiro tornou-se popular e radical, contando com lideranças negras como Luiz Gama (jornalista e advogado provisionado), José do Patrocínio (farmacêutico e jornalista), André Rebouças (engenheiro) e Maria Firmina dos Reis (romancista).

Com a intensificação do movimento abolicionista pós-1878, foram incentivadas fugas em massa de negros escravizados das fazendas e a formação de quilombos, acobertados pelos abolicionistas. Diante dessa pressão, finalmente foi promulgada a chamada Lei Áurea (Lei Imperial n.º 3.353 de 13 de maio de 1888), fazendo do Brasil o último país cristão ocidental a abolir a escravidão.

Movimento negro no século XX

Com o fim da escravidão, os negros brasileiros passaram a focar sua luta no racismo que manteve a população negra em uma condição subalterna, sem acesso à educação, saúde e renda dignas.

No século XX surgiram muitas associações culturais, assistenciais e políticas criadas e mantidas por pessoas negras, além de jornais voltados para a comunidade negra. A maioria das associações tinha atuação apenas em uma cidade ou região, mas algumas ganharam dimensão nacional. Entre as mais importantes estão a Frente Negra Brasileira (criada em 1931), a União dos Homens de Cor (1943), o Teatro Experimental do Negro – TEN (1944), o Conselho Nacional das Mulheres Negras (1950) e o mais recente Movimento Negro Unificado (1978), atuante ainda hoje.

Movimentos negros no século XXI

No século XXI, a tradicional pluralidade de associações e movimentos negros é mantida no Brasil e foram obtidas várias conquistas.

Por pressão das várias vertentes do movimento negro, o governo federal passou a adotar políticas afirmativas antirracistas, como a instituição de cotas raciais para o ingresso nas universidades federais (Lei n.º 12.711 de 29.08.2012) e nos empregos públicos (Lei n.º 12.990 de 09.06.2014); a inclusão da História da África no currículo escolar (Lei n.º 10.639 de 09.01.2003) e a instituição do Dia da Consciência Negra (Lei n.º 12.519 de 10.11.2011), valorizando o 20 de Novembro, data simbólica da morte (em 1695) de Zumbi, líder do famoso Quilombo dos Palmares.

A escolha de Zumbi como símbolo da luta negra no Brasil (substituindo o tradicional 13 de Maio), marca a valorização de uma narrativa de matriz africana, diferente da tradição europeia que marcou durante décadas os movimentos antirracistas no Brasil.

Além disso, novas formas de expressão cultural foram apropriadas pelos jovens negros, como o rap e o hip-hop.

Desafios persistentes

Apesar dos avanços, os desafios ainda são grandes. Em dados de 2019 (IBGE), negros e pardos somam 56,3% da população brasileira, mas a renda média dessa parcela da população é a metade da renda dos brancos. Apenas 11% dos negros e pardos com mais de 25 anos completaram o ensino superior, enquanto 24,9% dos brancos haviam se diplomado. Na propaganda, a presença negra ainda é minoritária. Negros são vítimas constantes de racismo em ações policiais, lojas e shopping-centers.

Por isso, os movimentos negros no Brasil estão mais ativos do que nunca.

Escravo, não: escravizado

Parte das reivindicações antirracistas da atualidade se remete a adaptações no campo da linguagem, a exemplo da substituição do termo escravo por escravizado.

Isso porque, em Língua Portuguesa, o nome escravo é acompanhado do verbo auxiliar ser (ser escravo). Esse verbo é usado para designar características intrínsecas e permanentes de algo ou alguém: ser alegre, ser atrapalhado. É verdade que alguém pode estar alegre em uma situação específica, mas também pode ser uma pessoa alegre, tendo a alegria como uma parte da sua personalidade.

O mesmo não acontece com o nome escravo: não existe a construção estar escravo – momentaneamente –, temos apenas ser escravo.

Entretanto, após a abolição da escravatura, o caráter permanente da escravidão se diluiu. Afinal, compreendeu-se que ninguém é escravo, como se isso fosse uma essência de determinado indivíduo. Ao contrário, hoje se entende que o negro foi escravizado, na voz passiva, o que denota que ele foi submetido a condições desumanas de trabalho forçado. Possui um sentido totalmente diferente.

Formalmente, as novas edições de alguns dicionários já estão adotando essa ideia. É o que aconteceu com o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa Aulete Digital, que já incorporou o termo escravizado como um verbete novo, separado de escravo.

Da mesma forma, propõe-se deixar de se referir ao negro sempre fazendo menção à escravidão: um descendente de escravos ou, para usar a nomenclatura acima, de pessoas escravizadas. Não que esse episódio deva ser apagado da História e da memória, mas não deve ser usado para identificar alguém.

A título de comparação, o povo judeu também foi submetido à escravidão no Egito por mais de 400 anos, mas os atuais judeus não são identificados como descendentes de escravos. Por isso, no caso dos negros, emprega-se o termo afrodescendente, remetendo à origem africana e reconhecendo que existe toda uma História de liberdade anteriormente ao processo escravocrata.

Bibliografia

AULETE, C. Dicionário contemporâneo da língua portuguesa Aulete digital, 2011. Disponível em: http://www.auletedigital.com.br. Acesso em: 08 jul. de 2021. Versão digital do dicionário Caldas Aulete.

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GOMES, F. S.; SCHWARCZ, L. M. (org.). Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

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MACHADO, M. H. O plano e o pânico: os movimentos sociais na década da abolição. Rio de Janeiro / São Paulo: Editora UFRJ / EDUSP, 1994.

 

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